- 19 de agosto de 2025
População em situação de rua cresce 277% em Belém e MPF pressiona prefeitura
Em Belém, o número de pessoas em situação de rua aumentou de 478 em 2014, segundo estudo da UFPA e da Seaster, para até 1.800 em 2023, conforme estimativa da Fundação Papa João XXIII (Funpapa). Apesar do crescimento de até 277% em menos de dez anos, a capital paraense conta hoje com apenas 40 vagas em abrigos públicos, cenário que levou o Ministério Público Federal (MPF) e o Ministério Público do Estado (MPPA) a intensificarem ações contra a Prefeitura.
A insuficiência de políticas públicas atravessa gestões. Durante o governo de Zenaldo Coutinho (2013–2020), foram criados os abrigos Camar 1 (para homens adultos) e Camar 2 (para mulheres e famílias). Ainda assim, a capacidade de acolhimento não acompanhou o aumento da demanda. Em 2023, havia 54 vagas; em 2025, o número caiu para 40, segundo inspeções do MPPA e MPF-PA.
Pressão judicial e denúncias de omissão
No centro da cidade, dezenas de pessoas vivem na escadaria da Agência Central dos Correios, na avenida Presidente Vargas, em condições degradantes. A ocupação é alvo de uma ação civil pública movida pelo MPF, que cobra do município medidas de acolhimento mais amplas e estruturadas. Decisões da Justiça Federal em 2024 obrigaram a Prefeitura a realizar mutirões de cidadania, apresentar diagnóstico da população e oferecer alternativas de abrigo e acolhimento. Nada foi cumprido integralmente, segundo o MPF.
Além disso, a Procuradoria acusou a gestão municipal de fornecer dados falsos ao informar a existência de 90 vagas, quando inspeções confirmaram apenas 40. O MPF classificou a conduta como “ato atentatório à dignidade da justiça” e pediu multas de até R$ 10 mil por dia, caso não seja apresentado em 15 dias um plano emergencial com contagem oficial da população em situação de rua e alternativas de acolhimento.
Operações e críticas de “higienização social”
A Prefeitura também foi alvo de críticas após operações de remoção forçada em áreas como a Travessa Quintino Bocaiúva e a Praça Dom Pedro II, com recolhimento compulsório de bens. O MPF e o MPPA emitiram recomendação conjunta ao prefeito Igor Normando para que cesse tais ações, consideradas ilegais por afrontarem decisão do STF na ADPF 976, que proíbe a remoção de pessoas em situação de rua sem alternativas de acolhimento.
Segundo os órgãos ministeriais, a repetição dessas operações configura “estratégia de higienização social”, enquanto a cidade segue omissa na formulação de políticas públicas de inclusão, a três meses da realização da COP30.
Mobilização social e campanha “A Rua Não é Escolha”
Em meio à crise, o MPPA lançou a campanha “A Rua Não é Escolha”, entre 18 e 22 de agosto, em alusão ao Dia Nacional de Luta da População em Situação de Rua, celebrado nesta terça, 19. A iniciativa busca dar visibilidade a esse público, combater estigmas e destacar direitos fundamentais como moradia, saúde e alimentação.
A data relembra o “Massacre da Sé”, ocorrido em 2004, em São Paulo, quando sete pessoas em situação de rua foram assassinadas. O episódio resultou em mobilização nacional e na criação de políticas como a Política Nacional para a População em Situação de Rua, instituída em 2009.
Saúde mental também sob risco
Paralelamente, a Prefeitura de Belém vem ampliando a privatização da saúde, agora mirando a Rede de Atenção Psicossocial (RAPS). Uma chamada pública publicada em 24 de junho propunha repassar a gestão dos Centros de Atenção Psicossocial (CAPS) e da Unidade de Acolhimento (UA) a Organizações Sociais (OSS). O edital foi retirado após mobilização de movimentos sociais, mas a proposta segue em debate.